A noite está caindo. Uma enorme Lua Cheia começa a subir do horizonte, clareando o céu sem nuvens. Passarinhos invisíveis, ocultos nas copas das árvores, soltam animadamente seu último canto do dia, preparando-se para dormir. As vias principais da cidade estão cheias por causa do movimento de saída do trabalho, mas as ruas mais afastadas estão calmas e quase desertas.
A luz do crepúsculo deixa ver alguma coisa vermelha, alguma coisa brilhante na beira da calçada, bem na esquina. Alguém jogou aí? Alguém deixou cair? Não. O brilho vem de um pequeno frasco de perfume. Ao seu lado está uma linda rosa vermelha. Pelo jeito, alguém os colocou no chão de propósito e com cuidado.
Uma voz feminina, alegre e suave, cantarolando uma cantiga qualquer, anuncia que alguém se aproxima. A voz pertence a uma moça de aparência jovem.
Ela é bem morena, tem olhos escuros e cabelos compridos, pretos e abundantes, penteados com arte.
A moça usa uma blusinha discreta e clara, cujo único enfeite é uma barra dourada nas mangas e no decote; mas a saia é o oposto dessa simplicidade. É longa, quase arrasta no chão. É bem rodada e tem um, dois, três... sete babados superpostos, como se fossem sete saias, uma por cima da outra, cada uma um pouco mais curta do que a que está por baixo. Cada babado é de uma cor diferente, mas todos têm uma barra dou¬rada igual à que enfeita a blusa.
A moça calça sandálias delicadas e usa brincos, pulseiras e colares dourados. Ela carrega uma sacolinha de pano onde devem estar guardados os seus pertences.
Chegando na esquina, a moça vê a rosa e o frasco. Para de cantar e seu rosto se abre num sorriso largo. Pega rapidamente os dois objetos. Prende a rosa nos cabelos e, depois de passar um pouco de perfume atrás das orelhas, guarda o vidrinho na sacola.
E segue o seu caminho, com o passo ainda mais leve e a voz mais alegre do que antes... A noite já vai alta. Na sala iluminada, um grupo de homens e mulheres se agita e conversa. Algumas pessoas estão vestidas com roupas comuns. Algumas mulheres usam vestidos coloridos, com saias rodadas. Alguns homens têm lenços amarrados na cabeça e cordões dourados pendurados no pescoço.
Alguém começa a cantar uma cantiga ao som dos tambores que formam uma pequena orquestra num canto da sala. Os outros repetem. Depois cantam outra. .. E mais outra... De repente, sem que se saíba de onde veio, aparece uma nova pessoa na sala. Chegou quem eles esperavam: é a moça que pegou a rosa e o perfume na esquina. Todos a cumprimentam alegremente:
— Sete Saias chegou!
— Salve, Dona Sete Saias!
— Venha dançar com a gente, Sete Saias! E a moça responde:
— Boa noite! Boa noite, gente boa! Vamos dançar, que a noite é de alegria!
A Cigana Sete Saias abre sua sacolinha e tira dela um pandeiro. Os músicos tocam um ritmo animado. O povo faz uma roda, cantando e batendo palmas.
No meio da roda, a Cigana Sete Saias dança, toca seu pandeiro e fazendo as saias voarem para todos
: _ ;. Até parece um arco-íris no meio da ventania!
guando a música termina, forma-se rapidamente
- —. grupo em volta da Cigana Sete Saias. Todos querem falar com ela. Quando um vai embora, dois to¬mam o seu lugar.
Sete Saias atende a todos. Dá sua risada alegre, faz uma brincadeira, mas escuta com atenção o que cada um fala e depois oferece um conselho, uma orientação.
— Dona Sete Saias, eu estou sozinho. A senhora pode me ajudar? Eu queria muito encontrar um amor!
— Está bem, vou lhe ajudar. E garanto o resultado! Você vai fazer o seguinte: pegue uma rosa...
— Dona Sete Saias, a senhora já me ajudou antes. Por favor, me socorra mais uma vez! Meu marido está meio desinteressado e eu queria animar um pouco o nosso casamento...
— É assim que se fala, comadre! Cada um tem que cuidar do que é seu em vez de ficar reclamando da vida! Vamos esquentar esse sujeito! Você vai precisar de uma fita...
— Dona Sete Saias, você pode ler a minha sorte?
A cigana senta no chão. Tira da sacola uma toalha branca, que estende à sua frente, e manda que o interessado sente diante dela. Pega na sacola umas coisinhas coloridas — pedrinhas? sementes? —, sacode-as na mão, joga sobre o pano e lê a sorte do consulente.
Mas as perguntas continuam.
— Dona Sete Saias, me disseram que a senhora aju¬da quem está passando por dificuldades. Eu quase não tenho como botar comida em casa!
— Ô, criatura, vamos resolver isso depressa! Você não vai ficar rico de repente, mas garanto que fome não vai mais passar. Você tem uma moeda?
E assim as horas passam. Depois de atender a todos que a procuram, a Cigana Sete Saias avisa:
— Gente, chegou a minha hora! Vamos dançar mais uma vez como despedida!
Ela puxa uma cantiga, dançando e tocando o pandeiro. Novamente, todos cantam e marcam o ritmo com palmas.
— Se alguém precisar de mim, é só mandar me chamar! Sete Saias vai embora, mas em breve vai voltar!
Num pé de vento, num redemoinho multicor, Sete Saias desaparece. Fica só sua lembrança, fica só sua saudade. Mas ficam também os conselhos que deu, os segredos que contou.
Cada um de seus fiéis vai agora para casa. Logo mais, irá fazer com muita fé o que ela ensinou.
E muito em breve a Cigana Sete Saias irá encontrar nas esquinas novos perfumes, novas flores, novos presentes de todos aqueles a quem ela ajudou.
Texto Extraido do livro Cigana Sete Saias
Autora Alzira da Cigana da Praia
Editura Pallas
Nenhum comentário:
Postar um comentário